Pesquisa da UFMG usa medicamento nanoestruturado com ouro para câncer de cabeça e pescoço

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Foto ilustrativa, laboratório
O ouro é usado, há séculos, com funções curativas e estéticas. Muito mais recentemente, tem sido aplicado em diagnósticos e tratamentos. Ele tem as vantagens de ser inerte, ou seja, não reage com outros elementos – não oxida, por exemplo – e ser bem tolerado em tecidos biológicos. Pesquisadores da UFMG acabam de publicar artigo em que demonstram que o metal também pode melhorar o tratamento dos tumores cancerígenos de cabeça e pescoço.

O Grupo de Pesquisa em Nanobiomedicina concluiu que o Cetuximabe, medicamento comercial já usado para combater esses tumores, pode ser associado, em concentração 25 vezes menor, a partículas esféricas de ouro de dimensões nanométricas (da ordem de um bilionésimo de metro), com o mesmo efeito ou até com resultados mais eficazes.

“Nossos estudos comprovaram que as nanopartículas de ouro se ligam efetivamente e não apenas ficam próximas à proteína (o anticorpo) que combate o tumor. Na concentração em que o remédio é usado hoje, há efeitos colaterais adversos, sobretudo de natureza dermatológica. Além disso, o medicamento não funciona para todos os tipos de tumores epiteliais, e alguns organismos apresentam resistências intrínsecas (originadas em mutações) ou adquiridas durante o próprio tratamento”, explica Lídia Maria de Andrade, primeira autora do artigo, publicado na revista Materials Science and Engineering C.

Graduada em odontologia e residente de pós-doutorado, sob orientação do professor Luiz Orlando Ladeira, do Departamento de Física, Lídia destaca que o grupo foi o primeiro a testar diferentes concentrações de Cetuximabe. Puro, o remédio é administrado com cinco miligramas. Na associação com as nanopartículas, são necessários apenas 200 microgramas. O Cetuximabe é um imunoterápico, tipo de medicamento que se liga a uma molécula para impedir que a célula tumoral execute alguma função importante para sua sobrevivência.

Estabilidade
Ainda segundo Lídia Andrade, o nanocomplexo tem estabilidade igual a do medicamento puro. Os pesquisadores deixaram o produto armazenado em geladeira por dois anos e ele manteve suas propriedades principais. O armazenamento não inativa o anticorpo, que é o princípio ativo. “O largo prazo de validade facilita, por exemplo, o transporte para regiões longínquas. Isso é muito positivo, porque deve incentivar o investimento da indústria farmacêutica na produção do nanocomplexo”, ressalta a pesquisadora. Ela acrescenta que a patente do Cetuximabe foi aprovada recentemente, o que significa que o nanocomplexo poderá ser produzido a custo baixo pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ofertado amplamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O composto de ouro e Cetuximabe foi inoculado em dois camundongos no Laboratório de Biologia Celular, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB). “Agora que já conhecemos a concentração certa do medicamento e já obtivemos autorização do Conselho de Ética no Uso de Animais (Ceua), da UFMG, estamos testando em cobaias imunossuprimidas, geneticamente modificadas”, informa Lídia Andrade.

Esferinhas de ouro
No Laboratório de Nanomateriais, Lídia Andrade fez a síntese, ou seja, produziu as nanopartículas esféricas. Quando o ouro derrete em mistura com determinadas substâncias, forma-se o ácido cloriáurico, doador do metal para a pesquisa. O citrato de sódio, sal presente nas células, é o responsável por criar as esferas e também por evitar que elas grudem umas nas outras. Esse sal tem carga negativa e é crucial para a ligação do ouro com a proteína, que tem carga positiva. Ela se liga ao nanocomplexo também por outros meios físico-químicos, o que contribui para a manutenção da estabilidade.

Para que se chegasse à convicção da forte ligação química entre o ouro e a proteína, o trabalho incluiu todas as formas possíveis de caracterização do nanocomplexo. Na UFMG, foram feitos testes nos departamentos de Química (espectroscopia por infravermelho) e de Física (espectroscopia por raios x) e na Plataforma de Citometria de Fluxo do ICB (que identifica e faz estatísticas sobre células e estruturas associadas a elas). Também no ICB, o Laboratório de Virologia abrigou os testes in vitro da atuação do nanocomplexo nas células. As imagens foram produzidas no Centro de Microscopia da UFMG. Também foi utilizado o Laboratório de Caracterização de Nanomateriais do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN).

De acordo com Lídia Andrade, as nanopartículas de ouro são excelentes absorvedoras de luz, incluindo os raios-x e gama, o que confere ao nanocomplexo grande capacidade de liberar radiação dentro das células. Isso diminui o tempo de tratamento e os efeitos colaterais. “O novo composto não leva muito tempo para entrar nas células e permanece lá por 36 a 48 horas, o que é adequado para a associação com a radioterapia, por causa do tempo de exposição das células tumorais à radiação”, diz a pesquisadora.

Artigo: The physicochemical and biological characterization of a 24-month-stored nanocomplex based on gold nanoparticles conjugated with cetuximab demonstrated long-term stability, EGFR affinity and cancer cell death due to apoptosis

Autores: Lídia M. Andrade, Estefânia M. N. Martins, Alice F. Versiani, Daniela S. Reis, Flavio G. da Fonseca, Ivina P. de Sousa, Roberto M. Paniago, Elene Pereira-Maia, Luiz O. Ladeira

Publicação: Materials Science and Engineering C. (V. 107, fevereiro de 2020)