O enfraquecimento do microssistema brasileiro de combate ao crime de lavagem de ativos, impactos à imagem do país junto a organismos internacionais como o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) e o Banco Mundial, além da possibilidade de que sejam instauradas apurações contra pessoas sobre as quais não recai qualquer suspeita. Esses são apenas alguns dos pontos mencionados pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, em memorial entregue nesta terça-feira (19) aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O documento é parte das medidas adotadas pelo Ministério Público Federal (MPF) com o propósito de manter a possibilidade de que a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, e a Receita Federal possam compartilhar informações com órgãos de persecução penal independentemente de decisão judicial.
A questão do compartilhamento de dados financeiros está pautada para julgamento nesta quarta-feira (20) no Plenário do STF. Em julho, o presidente da Suprema Corte, ministro Dias Toffoli, decidiu monocraticamente por suspender todas as investigações em curso no país que contam com informações compartilhadas pela UIF e demais órgãos de controle financeiro, repassadas sem autorização judicial. Na decisão, Toffoli sustentou o compartilhamento – sem prévia ordem judicial – deve se limitar à identificação dos titulares das operações e dos montantes globais mensalmente movimentados. No entanto, para o PGR, relatórios genéricos, como o modelo proposto, são inúteis à persecução de crimes relacionados à lavagem de dinheiro e à corrupção, pois inviabilizam o cruzamento de informações relevantes e o acesso a dados que de fato caracterizam os crimes listados.
Augusto Aras aponta que a decisão de condicionar o compartilhamento de dados financeiros à prévia autorização judicial, além de onerar excessivamente a Justiça com pedidos de quebra de sigilo, ocasionará a abertura de investigações desnecessárias, prejudicando todo o sistema de combate à lavagem de ativos. “Caso o MP passe a ter acesso apenas a informações genéricas, isso obrigará essa instituição, a fim de ter acesso aos dados detalhados, a requerer em juízo a quebra de sigilo de pessoas que, por vezes, não praticaram qualquer conduta suspeita ou indicativa de lavagem de dinheiro. Na prática, isso levará à instauração de apurações contra pessoas sobre as quais não recai qualquer suspeita, fazendo-as constar desnecessariamente como investigadas dentro do sistema judicial criminal”, aponta Aras em um dos trechos do documento.
O PGR garantiu que o compartilhamento das informações com órgãos de persecução penal não prejudica a privacidade e o sigilo dos investigados, uma vez que apenas parte das informações financeiras pode ser acessada pelos órgãos de investigação. Ele esclarece que o MP e a Polícia, ao receberem o Relatório de Inteligência Financeira (RIF), não têm acesso à integralidade dos dados financeiros dos contribuintes, somente àqueles que fundamentam a suspeita da prática criminosa. Jamais são enviados a tais órgãos extratos bancários, por exemplo, aos quais nem mesmo a UIF tem acesso. “Assim, o intercâmbio de informações por meio do RIF atinge apenas uma parte do direito ao sigilo de dados do contribuinte, justamente aquela parte referente a dados que consistem em indícios da prática de crimes. Todo o restante do sigilo continua preservado, inclusive em face dos órgãos de persecução penal”, explica o PGR.